03/06/2013 | por cleber

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País deixa de gerar ao menos R$ 4,7 bilhões por ano com lixo

A cada dia, os caminhões do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) recolhem 120 toneladas de lixo seco em Porto Alegre. Os resíduos são levados diretamente às 18 unidades de triagem (UTs) cadastradas pelo órgão, onde mais de 500 trabalhadores — em sua maioria mulheres — fazem a separação de papel, papelão, vidro, plásticos, garrafas PET, alumínio, embalagem longa vida, ferro e outros, antes de enviar às indústrias de reciclagem.

Ao mesmo tempo em que os veículos do DMLU cortam a cidade, um exército estimado entre 3 mil e 4 mil catadores percorre as ruas a pé, com carroças improvisadas, carrinhos de supermercado ou simples sacos de lixo em busca de um metal precioso encontrado nas lixeiras: o alumínio. Com valor de mercado muito superior aos concorrentes — o quilo é vendido nos ferros-velhos por R$ 2,10 —, a matéria-prima das latinhas de bebida virou o alvo principal de quem sobrevive da coleta de lixo seco de forma independente, sem vínculo com cooperativas de reciclagem.

Como se não bastasse, nos últimos tempos a disputa entre garis e garimpeiros do lixo ainda ganhou um novo personagem. Também de olho na riqueza do lixo reciclável, nos dias de coleta seletiva, caminhões de empresas privadas se antecipam à passagem dos veículos do DMLU, recolhendo os materiais mais valiosos e deixando pouco para ser levado às UTs oficiais.

Segundo Alex Cardoso, coordenador estadual do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, cerca de 25 mil catadores vivem e trabalham hoje no Rio Grande do Sul — no Brasil, o total chega a 800 mil. Com cerca de 200 associações e cooperativas em 70 municípios, o Estado conta com o maior número de trabalhadores organizados, estimado em cerca de 3,5 mil pessoas.

O objetivo do movimento, explica Cardoso, é maior formalização e valorização dos catadores e trabalhadores das UTs, remunerados por produtividade — mensalmente, quem coleta lixo seco na rua ganha entre R$ 420 e R$ 520, enquanto na triagem o ganho mensal varia de R$ 350 a R$ 550. Para fazer com que os catadores recebam pelo trabalho, o movimento incentiva a coleta seletiva solidária. Já obteve sucesso em Cachoeirinha, Gravataí, Canoas, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Santa Cruz do Sul, Cachoeira do Sul e Jaguarão.

Enquanto isso, com a renda tirada do lixo na Unidade de Triagem da Vila Pinto, Sirlei de Sousa sustenta a família há 13 anos.

— As pessoas têm um pouco mais de consciência do que há alguns anos — elogia Sirlei, coordenadora da unidade.

Carlos Roberto Morais, coordenador da Comissão da Reciclagem da Associação Brasileira do Alumínio, afirma que o valor do alumínio é o responsável pelo impulso da reciclagem. Ao sair em busca de latinhas, argumenta, catadores recolhem outros materiais, não tão rentáveis:

— O alumínio é o esteio do catador. Sem esse ganho, talvez até a reciclagem de outros materiais ficasse prejudicada.

Segundo Morais, a reciclagem do alumínio movimenta R$ 1,26 bilhão por ano no país. O processo, explica o executivo, economiza 95% da energia que seria necessária para a produção do alumínio a partir da bauxita, minério que dá origem ao produto com o qual se fabricam latinhas.

Eletrônicos ainda são descartados

Depois de passar pelas unidades de triagem ou de chegar aos ferros-velhos, os resíduos seguem para indústrias. O alumínio é o único material que, reciclado, volta à forma anterior — transforma-se novamente em lata de refrigerante ou cerveja. Os demais assumem outras formas e funções. O plástico das garrafas PET, por exemplo, pode ser usado em camisetas, edredons, carpetes, réguas, relógios, canetas, para-choques de veículos ou até placas de trânsito.

Hoje, o Brasil lidera o ranking mundial de reciclagem de alumínio e também aparece entre os maiores recicladores de garrafas PET.

Apesar da estrutura voltada ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, computadores, cadeiras de plástico e carcaças de eletrodomésticos, que poderiam ser reciclados, ainda acabam no lixo no Brasil, mesmo passando pelas UTs. Em ferros-velhos, ao contrário, esses itens são dissecados, com a separação de fios de cobre, peças de plástico e até partes confeccionados em ouro. Praticamente todo material é encaminhado para reaproveitamento.

Em Porto Alegre, o serviço de coleta seletiva existe há 22 anos. Os lixões foram extintos há duas décadas. Hoje, todo o material não segregado nas UTs — como o lixo eletroeletrônico — segue para um local de transbordo, na Lomba do Pinheiro, antes de ser enviado a aterro sanitário privado, em Minas do Leão, a 85 quilômetros de Capital.

Nas usinas que recebem o lixo de regiões de maior poder aquisitivo, a separação do lixo é melhor do que em outras áreas da cidade.

Dinheiro jogado fora

A cada dia, mais brasileiros se esforçam para conjugar os três verbos essenciais da sustentabilidade — reutilizar, reciclar e reduzir. Mas, apesar da conscientização crescente, muita riqueza ainda se esvai dentro de sacos de lixo, caixas de papelão e sacolas de supermercado usadas.

Conforme estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), caso todo o resíduo reaproveitável atualmente enviado a aterros e lixões em todo o país fosse reciclado, a riqueza gerada poderia chegar a R$ 8 bilhões anuais. Desse montante, porém, um valor muito menor — entre R$ 1,4 bilhão e R$ 3,3 bilhões anuais, — transforma-se em ganhos para os segmentos econômicos cujas matérias-primas são capazes de retroalimentar o ciclo produtivo.

Assim, o Brasil deixa de gerar anualmente entre R$ 4,7 bilhões e R$ 6,6 bilhões, em razão de falhas em todas as etapas do processo — da má separação do lixo por parte da população à não utilização dos resíduos orgânicos na geração de energia. Mas há estudos que apontam para perdas ainda maiores do que as indicadas pelo Ipea.

— Com exceção do alumínio, nossos índices de reciclagem são muito pequenos. Pior do que a baixa reciclagem, é a destinação dos resíduos. A maioria dos municípios ainda tem lixões, onde tudo é descartado, não reaproveitado como resíduo que tem valor — diz Dalberto Adulis, gerente de conteúdo do Instituto Akatu.

A funcionária pública aposentada Lígia Cecília Kreutz, 68 anos, faz um esforço para se adaptar. Incentivada por um filho que morava na Europa, onde a separação do lixo é natural, Lígia passou a ter mais cuidado com a seleção dos resíduos gerados em sua casa, no centro de Porto Alegre.

Apesar de dificuldades na locomoção, Lígia carrega só as sacolas de lixo orgânico até o contêiner de coleta mais próximo:

— Antes, separava o lixo, mas colocava tudo no contêiner. Depois que apareceram reportagens sobre como separar os resíduos, passei a ter mais cuidado — revela Lígia.

Segundo André Vilhena, diretor do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), apesar do aumento na participação da população nos programas de coleta seletiva, via de regra os sistemas municipais têm falhas de planejamento, gerando desperdícios para o processo. Como resultado, a indústria recicladora não opera a pleno vapor, com índices de ociosidade entre 20% e 30%.

— Mais prefeituras precisam instituir a coleta seletiva. Além disso, temos de estimular a indústria de reciclagem e rever o aspecto tributário que atrapalha essa indústria, aumentando a capacidade instalada e permitindo a expansão do parque de reciclagem do país — opina Vilhena.

Falta cuidado ao separar o lixo

Mulher de carpinteiro e mãe de dois filhos, Simone Cardoso dos Santos, 52 anos, encontrou uma fonte de renda na triagem do lixo seco há cerca de seis anos. Além de ratos e baratas, que se escondem em montanhas de plásticos, papéis, vidros e metais, e dos cachorros, galinhas e marrecos que vivem em meio aos 32 trabalhadores da Associação de Reciclagem Rubem Berta, o maior problema está dentro dos sacos do lixo.

— Uma colega nossa espetou o dedo em uma seringa na semana passada e teve de passar por uma bateria de exames — conta Simone, que todos os dias caminha quatro horas — duas para ir, duas para voltar — entre sua casa e a usina.

Além de expor as trabalhadoras a riscos — enquanto as mulheres põem a mão na massa, os homens se incumbem da tarefa de carregar os sacos e cestos de material já selecionado —, a inclusão de itens que não podem ser reciclados em meio ao material da coleta seletiva reduz a produção da unidade. Entre os materiais que não deveriam ser colocados no lixo seco mas aparecem com frequência estão fraldas e papel higiênico usados, restos de alimentos, sacolas com fezes de cachorro e até animais mortos.

Nas usinas, plásticos são maior fonte de ganhos

Por seis horas de trabalho diário, com direito a meia de intervalo, Simone recebe de R$ 350 a R$ 550, dependendo do mês. Às 15h58min, quando a sirene anuncia o fim da hora do lanche, feito em uma velha mesa de escritório, no meio da usina e envolto no odor característico, Simone e as colegas levantam e saem resmungando para o garimpo do lixo.

— Não temos vacina contra gripe, nem ganho fixo, nem vale-transporte. Esqueceram de nós — reclama a chefe de Simone, a coordenadora da unidade, Tânia Maria dos Santos Marchesan.

A unidade recebe R$ 2,5 mil como ajuda de custo da prefeitura. Só que gastos com água, telefone e principalmente com a energia que movimenta as prensas superam o valor oferecido pela prefeitura.

— Aqui a gente paga para trabalhar. E vive de centavos — diz Simone.

Diariamente, entre dois e 10 caminhões chegam à unidade do Rubem Berta. Como maior parte do alumínio fica pelo caminho, os maiores ganhos vêm de outros materiais.

— Muita gente cata latas na rua. Então, para nós, os mais valiosos são plásticos e sacos de lixo — diz Simone.

Bons exemplos pelo mundo

Exemplos de esforços para transformar o lixo em algo produtivo estão por todos os cantos do planeta. Em Oslo, na Noruega, a queima de lixo doméstico, industrial e hospitalar permite fornecer aquecimento para metade da cidade, incluindo todas as instituições de ensino.

Nos Estados Unidos, a cidade de Nova York tornou obrigatória a reciclagem de objetos de plástico rígido. Com a medida, a prefeitura pretende economizar anualmente US$ 600 mil, com a reciclagem de 50 mil toneladas adicionais de embalagens de xampu, brinquedos e cabides adicionais.

Assim como o poder público, empresas também lucram com o reaproveitamento de materiais. Anualmente, a General Motors fatura em termos globais cerca de US$ 1 bilhão com o reuso ou a reciclagem de itens que em outros tempos iriam parar no lixo.

No Rio Grande do Sul, a Oi e a Descarte Certo anunciaram em abril investimento de R$ 2 milhões em uma unidade de manufatura reversa — que começa com o resíduo para chegar ao produto. A empresa de reciclagem e gerenciamento de resíduos eletrônicos, estabelecida em Novo Hamburgo há cinco anos, terá sua capacidade ampliada em quatro vezes, atingindo 1,8 mil toneladas/ano.

O preço dos recicláveis (R$ por quilo)

Alumínio _ 2,10

PET branco _ 1,65

Garrafa água mineral 1 litro _ 1,30

PET verde _ 1,20

Plástico leitoso branco _ 1,10

Plástico leitoso colorido _ 0,75

Saco branco (filme) _ 0,70

Vidro de azeite _ 0,70

Papelão marrom _ 0,35

Saco de lixo colorido _ 0,20

Papel jornal _ 0,18

Longa vida _ 0,16

Latas (enlatados) _ 0,12

Vidros (garrafas inteiras) _ 0,10 a 0,20

Papel misto _ 0,09

Vidro (geral) _ 0,06

Vidro (cacos) _ 0,05

Links para a reportagem original do Jornal Zero Hora: 01 | 02




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